Artista Independente e o Mercado Fonográfico: O Paradoxo do Alcance Orgânico e a Realidade das Plataformas Digitais

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No atual cenário da música digital, os artistas independentes enfrentam uma dura e preocupante realidade: o sistema que deveria democratizar o acesso ao público acaba criando barreiras invisíveis que limitam seu crescimento orgânico. Uma recente análise no mercado revela um paradoxo inquietante: ao contrário do esperado, a distribuição oficial de músicas por meio de distribuidoras, ISRC e licenciamento pode reduzir drasticamente o alcance de conteúdos em plataformas como YouTube e Instagram, sem o uso de anúncios pagos.

O Estudo: A Queda no Alcance

Para comprovar essa realidade, foi conduzida uma experiência com um artista independente que decidiu lançar um álbum diretamente no YouTube, sem distribuidoras, licenciamento ou ISRC. Os resultados foram surpreendentes: o álbum acumulou uma média de 250 plays diários de forma totalmente orgânica, sem qualquer investimento em publicidade.

Porém, após alguns meses, o mesmo álbum foi distribuído oficialmente através de uma distribuidora, com ISRC e licenciamento regularizado. O resultado? Uma queda abrupta no alcance: os plays diários despencaram para menos de 5. A partir do momento em que o sistema do YouTube identificou o conteúdo licenciado, a entrega do vídeo foi moderada, prejudicando diretamente a visibilidade do artista.

Por Que as Plataformas Limitam o Alcance?

Plataformas como YouTube, Facebook (Meta) e Instagram possuem acordos financeiros com grandes gravadoras e associações de direitos autorais. Esses contratos exigem o repasse de royalties elevados, especialmente os royalties de fonograma, pagos pelas gravações originais das músicas. Quando um conteúdo é identificado com ISRC, ele é automaticamente incluído nas regras de licenciamento oficial, obrigando as plataformas a pagar esses royalties.

Como resultado, as plataformas tendem a moderar o alcance orgânico desse tipo de conteúdo para reduzir os custos. Curiosamente, canais de covers e conteúdos sem ISRC conseguem gerar muito mais alcance porque, nesses casos, as plataformas pagam apenas royalties de composição, que possuem valores consideravelmente  muito mais baixos.

O Viés Financeiro e o Prejuízo ao Pequeno Artista

Para entender o impacto financeiro, é preciso considerar um exemplo prático. O Spotify, por exemplo, cobra R$21,90 por uma assinatura premium mensal. Um usuário com esse plano pode consumir até 10 mil plays mensais. Esses plays geram aproximadamente R$100,00 em royalties para os fonogramas (principal receita das grandes gravadoras atualmente).

No entanto, o valor pago às plataformas pelas grandes gravadoras é muito superior ao que é arrecadado com assinaturas. Isso faz com que o conteúdo de grandes players seja priorizado, deixando os pequenos artistas em desvantagem. Assim, é mais provável que um vídeo trivial ou comum ou banal:  como a leitura de uma bula de remédio ou praticamente qualquer conteúdo atinja um número maior de visualizações do que uma boa música autoral distribuída com ISRC.

A Política de “Stream Artificial” e suas Consequências

Outro fator que tem afetado profundamente os artistas independentes é a aplicação das políticas “antifraude”, conhecidas como “stream artificial”. Essas medidas, que supostamente combatem manipulações no número de plays, acabam atingindo apenas pequenos artistas.

Grandes gravadoras e artistas renomados frequentemente utilizam práticas como compra de plays, fazendas digitais ou aluguel de playlists, alcançando milhões de streams em poucos dias. Ainda assim, eles raramente ou nunca sofrem penalidades ja que os fonogramas geralmente pertence a grandes gravadoras. Já os artistas independentes têm suas músicas removidas das plataformas e seus royalties bloqueados ao menor sinal de irregularidade ou suspeita, mesmo que não haja prova conclusiva ou transparência e objetividade na apuração e nem mesmo nos próprios termos.

Falta de Transparência

Uma das maiores críticas a essa política é a falta de transparência. As plataformas não divulgam os critérios utilizados para identificar o uso de “stream artificial”. Não há, por exemplo, um limite claro de quantas vezes um artista pode ouvir sua própria música ou um usuário pode reproduzir uma faixa sem ser considerado um comportamento suspeito.

Se um artista independente é usuário premium e escuta suas músicas em uma playlist pessoal todos os dias, é altamente provável que seus royalties sejam bloqueados e perdidos e suas faixas retiradas da plataforma. No entanto, o mesmo não acontece com artistas de grandes gravadoras, cujos fonogramas continuam intactos, mesmo quando reproduzidos em massa.

Um Sistema que Favorece os Grandes Players

O que ocorre, na prática, é uma transferência de recursos gerados por pequenos artistas em favor das grandes das plataformas e distribuidoras que administram os recursos. Os termos e penalidades aplicados ao pequeno artista são severos, enquanto os grandes players continuam lucrando.

Vale lembrar que o público dos artistas independentes é composto principalmente por familiares, amigos e pelo próprio artista, que frequentemente reproduz suas músicas com o objetivo de se apoiar moral e financeiramente. Ainda assim, a aplicação de políticas antifraude acaba criminalizando essas práticas.

O Papel das Associações de Direitos Autorais

As associações de direitos autorais, como o ECAD, também desempenham um papel relevante nesse cenário. A maior parte de suas receitas é gerada por grandes gravadoras e artistas, o que faz com que esses players recebam um suporte desproporcional. Pequenos artistas, por sua vez, ficam sem apoio jurídico ou institucional.

Vale lembrar que o ECAD não é um órgão público e que suas políticas, muitas vezes, favorecem majoritariamente os interesses das grandes gravadoras.

Conclusão: Um Desafio Estrutural

O paradoxo do alcance orgânico e da distribuição oficial revela um problema estrutural no mercado fonográfico. Enquanto os royalties de fonograma continuarem elevados e as políticas privilegiarem os grandes players, os artistas independentes continuarão sendo prejudicados.

É fundamental que haja uma revisão nos acordos entre plataformas, associações e gravadoras. Políticas de transparencia no combate a artificial streaming, politicas mais inclusivas precisam ser criadas para que pequenos artistas não sejam penalizados por tentarem profissionalizar seu trabalho.

Até que isso aconteça, os artistas independentes estarão diante de um dilema: buscar a distribuição oficial e perder visibilidade ou manter-se fora do sistema e continuar dependendo do alcance orgânico para sobreviver.

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